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Para Lula, paz na Ucrânia virá se Moscou e Kiev aceitarem que terão perdas

07/06/2025 09h54

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva avaliou que, para que as negociações de paz na Ucrânia avancem, o presidente russo, Vladimir Putin, e o ucraniano, Volodymyr Zelensky, terão de reconhecer que não conseguirão obter tudo que desejam - sinalizando que, cedo ou tarde, a Ucrânia vai acabar perdendo parte do seu território para a Rússia. Em coletiva de imprensa na manhã deste sábado (7), em Paris, Lula defendeu que as negociações de um acordo de paz sejam lideradas pela ONU e um grupo de países, incluindo as potências emergentes.

Lúcia Müzell, da RFI em Paris

"A pergunta é a seguinte: o Putin vai sair da Crimeia? Vai sair? É a pergunta que eu te faço. Ora, nem ele quer sair, nem o Zelensky quer perceber outra parte que ele já invadiu e que ainda não tomou definitivamente", explicou Lula. "Como os dois têm dificuldade, era preciso que um colegiado liderado pela ONU fizesse a proposta de bom senso para os dois. (...) O que vai ficar para cada um, eles sabem. Eu tenho certeza que o Putin sabe", disse.

Moscou tem reiterado que a sua condição "imperativa" para a paz é o reconhecimento internacional da anexação russa da Crimeia e de outras quatro regiões ucranianas: Sebastopol, Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporíjia. Já Kiev não abre mão da sua integridade territorial anterior à primeira guerra entre os dois países, em 2014, quando a Rússia anexou a Crimeia. No final de maio, a Rússia exercia controle total ou parcial sobre cerca de 19% do território ucraniano anterior à guerra.

"Eu sinceramente acho que no inconsciente de todos os líderes políticos do mundo, todo mundo sabe o que vai acontecer. Todo mundo sabe que as condições do acordo já estão colocadas", explicou o presidente brasileiro. "O que está faltando é coragem das pessoas dizerem o que querem. É muito difícil quando você começa uma coisa, você parar", continuou.

O presidente defendeu a iniciativa do Brasil em conjunto com a China e outros países em desenvolvimento "que não estão relacionados ao conflito", para a negociação de uma proposta de acordo na Ucrânia, mas reconheceu que, no estágio atual, nem Moscou, nem Kiev "acreditam" no fim da guerra. "Mas eu acho que está mais próximo de um acordo do que parece. Por enquanto, eu acho que os dois líderes têm dificuldade de explicar para o seu próprio povo os seus limites. Ninguém vai ter tudo o que quer. As pessoas vão ficar com aquilo que é possível de conquistar", reiterou.

Lula afirmou ter proposto ao presidente francês, Emmanuel Macron, promover uma conversa com o secretário-geral da ONU, António Guterres, para organizar uma viagem aos dois países junto com um grupo de países emergentes "amigos". "E, depois, construa uma alternativa que eu tenho certeza que você já sabe qual é também", sugeriu, ao responder a um jornalista. "É duro você acreditar numa coisa e depois perceber que não é aquilo que vai acontecer, que você não vai conseguir."

Putin está convidado para a cúpula do Brics

Perguntado se o presidente russo será convidado a participar da próxima cúpula dos Brics, no Rio de Janeiro, em julho, Lula respondeu que caberá a Putin decidir se vai ou não ao Brasil para o evento. Putin é alvo de mandado internacional de prisão, emitido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) devido à invasão da Ucrânia. O Brasil é signatário da corte.

"O Putin é membro nato dos Brics. Ele pode participar ou não", frisou. "Ele sabe que ele corre risco. Mas a decisão é dele."

Em 2024, a cúpula das potências emergentes ocorreu em Moscou. No ano anterior, quando a guerra na Ucrânia já estava em curso, a reunião aconteceu na África do Sul e Putin preferiu participar por videoconferência.

Macron não apresentou proposta para acordo Mercosul-UE, diz Lula

O presidente Lula também voltou a reforçar a sua determinação em ver o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul ser ratificado até o fim do ano, e prometeu continuar insistindo sobre este assunto com o presidente Emmanuel Macron. Este foi um dos principais temas da visita de Estado do líder brasileiro à França, nos últimos três dias.

Para aceitar o texto, o presidente francês disse desejar inserir salvaguardas para os agricultores ses, que se opõem ao tratado. Questionado sobre este assunto, Lula afirmou que Macron não ofereceu uma proposta concreta sobre mudanças no texto que foi assinado em dezembro, mas sim apresentou-lhe uma "tese" em defesa dos produtores rurais ses.

"Eu não quero que o produtor brasileiro prejudique o produtor francês. Eu quero que a gente se encontre e veja aonde é que está o problema. Não é ideológico, é simplesmente econômico", afirmou. "O companheiro Macron, se tem algum problema que ele acha que fere os pequenos produtores ses, eu acho que o negociador do Macron na União Europeia deve fazer a proposta porque ele se queixa do acordo firmado pelo governo ado, que nem nós aceitávamos", salientou.

Lula indicou que quando receber o líder francês para a COP30 em Belém, em novembro, espera que o ime estará resolvido. "Até lá, quando ele tiver embaixo de uma árvore de 30 metros de altura que ele perceber a beleza daquela floresta, vai falar: 'eu vou fazer acordo com o Brasil'. O Brasil precisa estar feliz para poder preservar tudo isso aqui", disse.

Comissão Europeia

O presidente ainda salientou que a Comissão Europeia tem mandato para o tratado independentemente da oposição sa, mas preferiria que todos ficassem satisfeitos com a abertura dos mercados entre os dois blocos. "Não está na minha cabeça que a gente faça um acordo para matar o pequeno e médio produtor francês. O que eu quero é que os pequenos produtores ses se juntam com os pequenos produtores brasileiros para a gente saber qual é a diferença, qual é a similaridade que existe entre nós. Porque um acordo pode ser bom para os dois lados", insistiu.

Na quinta-feira, após reunião no Palácio do Eliseu, o presidente francês afirmou, ao lado de Lula, que Paris deseja "melhorar" o texto - assinado em dezembro de 2024 entre o Mercosul e a Comissão Europeia, mas que ainda precisa ser aprovado internamente pelos países que compõem os dois blocos. Macron defendeu o livre comércio "de maneira justa", e mencionou alternativas como cláusulas de salvaguarda para proteger os produtores de "desestabilização dos mercados".

"Este acordo, no momento estratégico que nós vivemos, é bom para muitos setores. Mas ele gera um risco para a agricultura dos países europeus", destacou. "Nós proibimos que os nossos agricultores usem alguns componentes [químicos], pedimos para que mudassem as suas práticas, mas os países do Mercosul estão longe de estarem no mesmo nível de regulamentação. Não é uma diferença de competitividade, mas de normas: as obrigações não são as mesmas", declarou Macron.

Lula encerrou os compromissos em Paris e já seguiu viagem para o sul da França. No domingo (8), o presidente participará de um evento sobre economia azul em Mônaco e do jantar oficial da terceira Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos, em Nice. Na segunda-feira, o presidente estará presente na abertura da conferência e, na sequência, viaja a Lyon, última etapa da viagem. Na cidade, visitará a sede da Interpol, dirigida pelo brasileiro Valdecy Urquiza.

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