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JBC: Os bastidores e desafios dos 30 anos da editora de mangás no Brasil

Sakura de "Card Captor Sakura" e Hinata de "Haikyu!", dois mangás publicados no Brasil pela editora JBC - Montagem: Sakura/Kodansha/Reprodução, Hinata/Shueisha/Reprodução
Sakura de 'Card Captor Sakura' e Hinata de 'Haikyu!', dois mangás publicados no Brasil pela editora JBC Imagem: Montagem: Sakura/Kodansha/Reprodução, Hinata/Shueisha/Reprodução
do UOL

Fábio Garcia

Colaboração para Splash, em São Paulo

04/06/2025 12h00

Em maio de 2001, dois quadrinhos japoneses chegaram às bancas brasileiras. Um samurai ruivo com cicatriz na bochecha e uma garota caçadora de cartas deram o pontapé inicial para a editora JBC ingressar no mercado de mangás no Brasil, mas alguns anos antes a empresa já flertava com publicações sobre a cultura japonesa.

Como em 2025 a JBC comemora 30 anos de existência, Splash conversou com Marcelo Del Greco, gerente editorial que estava presente desde o início dessa empreitada e que testemunhou a história dos mangás no Brasil sendo escrita da direita para a esquerda.

A origem da JBC

A editora sempre trabalhou com cultura japonesa e tinha um escritório no Japão, como revela Marcelo. A JBC lançava a clássica revista "Made in Japan", livros sobre origami e outras publicações sobre o tema. Quando decidiram publicar mangás, uma das dificuldades foi com o sentido de leitura asiático (da direita para a esquerda, o oposto do nosso sentido), pois a distribuidora brasileira via questões com isso.

Eles inicialmente não queriam, não aceitavam, mangás sendo publicados com a leitura oriental. (...) E as editoras japonesas não aceitavam você inverter a leitura", contou. Antigamente, antes da popularização dos mangás, algumas editoras "espelhavam" o conteúdo das obras para que ficasse no nosso sentido de leitura, mas isso invertia os personagens e os deixavam canhotos. Outra dificuldade era o fato dos quadrinhos serem em preto e branco, algo mais associado a quadrinhos como "Tex"

samurai x - Reprodução/JBC - Reprodução/JBC
Mangá 'Samurai X' publicado pela editora JBC
Imagem: Reprodução/JBC

Após conseguirem contato com editoras japonesas, a JBC negociou com a Shueisha e a Kodansha, duas das maiores do Japão. Assim, a empresa brasileira conseguiu licenciar seus quatro primeiros títulos: "Rurouni Kenshin: Samurai X", "Card Captor Sakura", "Video Girl Ai" e "Guerreiras Mágicas de Rayearth". Vencido o desafio de se publicar um quadrinho ainda muito diferente do habitual no Brasil, a editora foi crescendo e publicando cada vez títulos mais importantes, como "Death Note", "My Hero Academia" e "Boa Noite Punpun".

Os sucessos da editora

Mangás costumam aparecer em listas de títulos mais vendidos, mas as editoras do meio ainda têm muito receio de divulgar números de seus sucessos. Salvo algumas exceções, não temos informações sobre tiragens, vendas ou porcentagem de mercado, sabemos apenas que se trata de um sucesso. Questionamos Marcelo sobre os maiores êxitos da JBC e, segundo o editor, a resposta pode surpreender: "Não são só os shonen de lutinha que encabeçam a lista". Marcelo se refere aos títulos shonen (como "Naruto" e "One Piece"), que costumam ser os mais vendidos no mundo inteiro.

Até algumas coisas causam certa surpresa da minha parte, como 'Boa Noite Punpun' é um carro-chefe da editora. Aí sim a gente tem, óbvio, 'My Hero Academia', 'Hunter x Hunter', que tem muito público ainda hoje, a gente tem o 'Yu Yu Hakusho', 'Os Cavaleiros do Zodíaco: Final Edition' agora, está vendendo muito, muito, muito. Marcelo Del Greco

nana - Reprodução/Shueisha - Reprodução/Shueisha
Cena do mangá "Nana" de Ai Yazawa
Imagem: Reprodução/Shueisha

Os títulos destinados ao público feminino também foram citados como sucessos: "Sailor Moon", "Card Captor Sakura" e "Nana". Inclusive sobre este título, em especial, o editor compartilhou uma curiosidade: na época da publicação original de "Nana" por aqui, veio uma equipe da Shueisha tentar entender por que a obra não estava explodindo como no Japão. A JBC chegou a participar de reuniões com a MTV Brasil, numa época na qual o canal exibia animes e tinha interesse em exibir a série de "Nana". "Anos depois, hoje 'Nana' é um sucesso ainda maior que naquela época", detalhou.

Sobre os mangás para o público mais adulto, como o próprio "Boa Noite Punpun", o editor confirma que existe um público voltado para o autor Inio Asano e também para Junji Ito. "Eles meio que saíram do underground num mesmo momento, na hora que a gente pega esses mangás mais introspectivos, mais densos, de horror/terror, eles saem do underground e se tornam mainstream, pro público principal".

A JBC em 2025

Atualmente parte da Companhia das Letras, a JBC segue sendo uma das maiores editoras de mangás no Brasil (e uma das mais antigas no ramo). Uma das principais mudanças é na forma de disponibilizar os produtos, pois foram deixando de trabalhar com bancas e focando no online e nas lojas especializadas.

punpun - Reprodução - Reprodução
Cena do mangá 'Boa Noite Punpun'
Imagem: Reprodução

O catálogo da editora também recebe um cuidado especial. "A gente sempre tenta ter títulos desde os de entrada, os mais baratos e mais básicos, até as edições de luxo e definitivas. A gama de coleções são maiores, parecendo muito com o Japão", explica Marcelo.

O editor também explica que a divulgação das obras ou por uma mudança, pois antigamente a TV aberta ajudava com a exibição de animes, e atualmente o streaming é uma força importante.

Para o aniversário, uma das novidades está sendo o livro "Xógum", que ganhou recentemente uma série no Disney+ e a republicação de "Ranma 1/2", um título querido e que recentemente ganhou um remake na Netflix. "A gente achou melhor reimprimir a coleção clássica. A diferença é que a gente recebeu arquivos remasterizados, então vai estar com uma qualidade maior. (...) É o melhor momento para trazer Ranma 1/2", revelou.

E os preços?

Dependendo do formato, da grossura ou de elementos gráficos especiais, o preço de um mangá pode ir de 43 reais a até um valor de três dígitos.

astro boy - Divulgação/JBC - Divulgação/JBC
Mangá 'Astro Boy' de Osamu Tezuka, lançado no Brasil pela editora JBC
Imagem: Divulgação/JBC

"Não tem muito o que a gente pode fazer, é tudo baseado em dólar", entrega o editor ao falar sobre a precificação dos mangás. E não só os contratos, mas o material e impressão também são cobrados na moeda americana. Outro fator que afeta o preço é o papel, pois existe apenas um fornecedor no Brasil.

A conta tem que fechar. Quem não segue essa conta, seja por estratégia ou qualquer outro motivo, pode ter certeza que ela não fecha e vai ter consequências que o público não sabe. Marcelo Del Greco

Perguntado se a atual guerra tarifária entre EUA e China poderia afetar o mercado de mangás no Brasil, o editor preferiu ser cauteloso. "A princípio não, a não ser que o dólar estoure, aí não tem o que fazer. Aí a gente vai voltar à época da chamada inflação galopante, que seria terrível em todos os sentidos".

Pingue-pongue com a JBC

Para abordar assuntos que não foram ditos no bate-papo, realizamos um bate-bola com Marcelo Del Greco para perguntar curiosidades sobre os 30 anos de editora JBC. Confira abaixo:

Qual o mangá mais trabalhoso de licenciar? "Eu ainda acho que foi 'Sailor Moon', mas tem quase um empate com 'Akira' e 'Dragon Quest: The Adventure of Dai'"

Qual foi o mangá mais tranquilo de licenciar? "Os primeiros. 'Samurai X', 'Video Girl Ai', 'Sakura Card Captor' e 'Guerreiras Mágicas de Rayearth'."

Um mangá inusitado que as pessoas não fazem ideia de que vendeu muito? "Talvez 'Hiroshima - A Cidade da Calmaria' e colocaria também 'Os Gatos do Louvre'."

Haikyu - Divulgação/Editora JBC - Divulgação/Editora JBC
Mangá de "Haikyu!!"
Imagem: Divulgação/Editora JBC

Um mangá que o autor japonês adorou a edição da JBC? "A edição shiny de 'Saint Seiya - The Lost Canvas'. A autora abriu a caixa e tem vídeo dela no X enlouquecida vendo tudo brilhando. Tem do 'Love Junkies' que a autora escreveu, e curiosamente teve citação no 'Futari H', saiu até foto minha na revista. O 'Last Order' também."

Qual o mangá mais difícil de traduzir da editora? "O 'Ghost in the Shell foi bem difícil pela quantidade de texto e por ter duas leituras que se completam. 'Astro Boy' atualmente tem uma dificuldade, e a Final Edition de 'Os Cavaleiros do Zodíaco' que ganhou uma tradução do zero."

Qual mangá ganhou mais reimpressões? "Eu chutaria hoje 'My Hero Academia', 'Fullmetal Alchemist', 'Death Note Black Edition' e 'Boa Noite Punpun'"

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